Mesmo sem o solavanco, bastaria o barulho da queda no buraco da rua, para me aperceber que era preciso verificação de danos. Antes de terminar o pensamento, já os "gemidos do bicho" indicavam a necessidade de encosto.
Junto à paragem dos autocarros, com a Rainha de costas indiferente às limitações da plebeia que se arma em condutora, busco o pneu suplente, tento desapertar a rosca para o atirar para o chão e analisar a função de cada uma das peças restantes.
De macaco na mão, faço sinal ao motorista do autocarro que chega, para que me conceda o espaço da sua paragem. Foi simpático. De porta aberta, avisa-me que devo desapertar as porcas da roda, antes de elevar o carro. Entro no seu veículo e peço-lhe que me desaperte o macaco, ainda por estrear e perro, perro. Agradeço e tento o desapertar da roda. Nada! Tarefa inútil, para fraca gente.
Ergo-me desalentada pela minha incapacidade mas, a meu lado, surgiu-me um "grisalho" a quem desabafei a minha frustração, pela falta de força. Reconheço-lhe a ele e a todos os outros, essa ENORME vantagem.
Sem mais demoras, ele pegou na chave e começou a tarefa. Antes que terminasse, ouço alguém perguntar se precisava de ajuda. Respondo que sim. O carro circula a rotunda e vem ter comigo um jovem casal que toma conta da emergência. O macaco já tinha elevado o carro com a força do 1º cavalheiro, quando o 2º se aproxima e o meu carro cai, estrondoso, voltando à posição inicial. O jovem, pede à sua companheira, de barriga a abarrotar de Amor, que fosse buscar outro macaco, ao seu próprio carro.
No final, com as minhas mãos quase tão enfarruscadas como as deles, convido-os a irmos ao café ali ao lado para lavarmos as mãos e bebermos, todos, um cafezinho. Nenhum aceita. Agradeço a preciosa ajuda, desejando à pré-mamã, que o seu menino venha a ser tão prestável e tão simpático como o papá. Reforço o convite ao "grisalho" que se despede com um não, obrigado. Ponho o carro em andamento e desapareço dali, vergada ao peso da minha consciência feminista radical. Eis, senão quando me lembrei:
- Meu Deus, eu a oferecer-lhes cafezinho e só tenho trocados no porta-moedas. Olha, se eles aceitassem, que figura farias se as moedas não chegassem para pagar a despesa!...
Eu tinha ido à natação e não costumo levar para lá, dinheiro bastante, para emergências deste calibre.
Depois do almoço, dirijo-me à oficina a fim de reparar os estragos. Dou voltas e mais voltas e nada. Tenho de perguntar e, é outro simpático, quem me orienta no caminho.
Esta manhã, voltei à oficina e, sem mais esforço do que marcar o código da minha conta bancária, para pagar o novo pneu e o serviço. Tudo ficou como dantes, graças ao desempenho do simpático profissional que se prontificou, até, para me avaliar a pressão dos pneus sempre que eu queira passar por lá.
Reconheço. Homens, assim, são tão importantes, tão queridos! Nem é preciso saber quem são, como se chamam. Apareçam sempre, tá bem?
quarta-feira, 28 de novembro de 2012
quarta-feira, 14 de novembro de 2012
Recordando... a escuridão da hora H
...E era, também, debaixo do avental, que escondia a carta que trouxera da loja, ansiosa por ouvir ler as notícias dos familiares que deixara na sua terra distante, há muitos anos atrás. Então, repetia-se o mesmo ritual, de sempre. Minha mãe lia-lhe a missiva, em voz alta, uma, duas e três vezes, até que ela assimilasse tudo o que lá vinha, recordasse as vivências de outrora ou questionasse a razão dalgum pormenor, menos explicado. Depois, outra vez, tirava debaixo do avental ou de dentro do seu bolso, a folha de papel pardo dobrado e, de lá, surgia a carta para a resposta, acabadinha de comprar e a precisar de ser escrita e enviada "na volta do correio".
Com o argumento de que o exercício me ajudava na aprendizagem, minha Mãe ordenava que fosse eu a escrever o que a nossa vizinha ditasse, enquanto ela, "sem largar os pontos", sempre costurando, me orientava, sem fazer caso do enfado que eu evidenciava e que hoje, me enternece tanto.
Primeiro, era o desejar da saúde para todos e o registo das graças a Deus por "todos por cá", estarem bem. Depois, era o registar das muitas saudades sentidas, citando o nome deste e daquele, desta e daquela, num rol sem fim. Era o explicar as dificuldades da vida diária deste ou daquele familiar e...sempre a realçar as saudades, os votos de saúde, as razões porque não visitava toda a gente de que se lembrava, todos os dias.
Por vezes, eu dizia: - Já escrevi isso. Já escrevi que tem saudades. E ela respondia: - Escreve outra vez. Eu quero que eles saibam que não posso lá ir porque é longe e ninguém me pode levar.
A mim, parecia-me estar a escrever para o fim do mundo. Falava-se de gentes que nunca vira e que ninguém tinha esperança de voltar a abraçar.
Sentia-a tão pobre! Não tinha mais que a carga de ervas e lenha que lhe via carregar nas costas, no final de cada tarde de trabalho, no campo. Não sabia ler, nem escrever. Só lhe sobravam na alma as saudades das raízes.
Graças ao rasgar dos horizontes, afinal, sei hoje que a sua terra fica já ali. A dois passos da recordação dos tempos idos. Mas... a escuridão teima, de novo, em ofuscar esse caminho.
Com o argumento de que o exercício me ajudava na aprendizagem, minha Mãe ordenava que fosse eu a escrever o que a nossa vizinha ditasse, enquanto ela, "sem largar os pontos", sempre costurando, me orientava, sem fazer caso do enfado que eu evidenciava e que hoje, me enternece tanto.
Primeiro, era o desejar da saúde para todos e o registo das graças a Deus por "todos por cá", estarem bem. Depois, era o registar das muitas saudades sentidas, citando o nome deste e daquele, desta e daquela, num rol sem fim. Era o explicar as dificuldades da vida diária deste ou daquele familiar e...sempre a realçar as saudades, os votos de saúde, as razões porque não visitava toda a gente de que se lembrava, todos os dias.
Por vezes, eu dizia: - Já escrevi isso. Já escrevi que tem saudades. E ela respondia: - Escreve outra vez. Eu quero que eles saibam que não posso lá ir porque é longe e ninguém me pode levar.
A mim, parecia-me estar a escrever para o fim do mundo. Falava-se de gentes que nunca vira e que ninguém tinha esperança de voltar a abraçar.
Sentia-a tão pobre! Não tinha mais que a carga de ervas e lenha que lhe via carregar nas costas, no final de cada tarde de trabalho, no campo. Não sabia ler, nem escrever. Só lhe sobravam na alma as saudades das raízes.
Graças ao rasgar dos horizontes, afinal, sei hoje que a sua terra fica já ali. A dois passos da recordação dos tempos idos. Mas... a escuridão teima, de novo, em ofuscar esse caminho.
terça-feira, 6 de novembro de 2012
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