Havia uma amena cavaqueira por todo o espaço. Aquela mulher entrou, dirigiu-se ao balcão, normalmente e, só reparei nela quando ouvi a funcionária dizer:
- Hoje, não tenho nada.
De seguida, afirmou:
- Olhe, tenho isto.
E deu-lhe um pacote que parecia conter duas fatias de pão, tostado.
Então, aquela mulher seguiu até à mesa do topo, repleta de outras mulheres. Era alta, de cabelo grisalho, vestida com sobriedade q.b. Aparentemente, nada a distinguiria de qualquer pessoa inserida na sociedade em que vivemos. Porém, depressa a minha atenção se fixou nela. Apercebi-me da demora junto daquela mesa, assim de pé, olhando o grupo. Não percebi se falara. Deu para entender a reacção pseudo-indiferente, incómoda, que estava a provocar.
Desvaneceram-se-me as dúvidas quando alguém , com maior à vontade, indicou:
- Vá à Câmara. Eles, lá, atendem.
A mulher afastou-se até à mesa do canto. Ouvi de lá:
-Tenha paciência. Também tenho o marido doente.
Chegou, então, a minha vez. Eu estava só naquela mesa, prestes a levantar-me, já servida e de conta paga. Olhei, quando se aproximou de mim. Notei que deveria ser um pouco mais velha do que eu ou talvez não e ela falou-me.
Não entendi, de imediato, o que dissera mas, esclarecida pelo que tinha observado, perguntei.
- Quer um copo de leite?
Num português só entendido pela repetição da pergunta e da mesma resposta, percebi:
-Hoje, é sexta-feira. Não come carne, leite, ovos.
Fez-se luz e dúvida no meu espírito. Será que esta cristã ou muçulmana sobrepõe a sua fé à sua fome?
Apresentei-lhe uma alternativa porque acreditei que tivesse, mesmo, fome.
-Quer um pão com manteiga?
-Sim.
Levantei-me, paguei o pão e entreguei-lho metido num saco de papel, pela funcionária. Ela não o comeu ali. Enfiou as duas dádivas no saco de mão que trazia.
Eu saí incomodada. Ela ainda ficou, de pé. Afinal, eu fizera o mesmo que todo aquele naco de sociedade. Não enviei à Câmara, não quis saber/resolver as causas que levam alguém até ao gesto de estender a mão, pedindo algo. Apenas, só, minimizei "caritativamente"o momento. Ainda agora, aquela mulher se impõe na minha consciência.
Já é tarde. Faço uma pausa no registo deste facto vivido, logo de manhã. Releio o que escrevi e...entretanto, devo ter "passado pelas brasas".
Ao despertar, de novo, os meus olhos pesam. Sinto como se nos meus ouvidos soasse o gargalhar sarcástico e irónico do "mafarrico Morfeu", desejoso duma noite bem dormida, sem pesos na consciência nem inquietações:
-Não sejas Toninha! Aquilo foi tudo fingimento. Forma fácil de obter dinheiro.
Fome. Fé. Fingimento.
Sim. Há fome duma Nova Humanidade, sem desconfianças, sem xenofobia, sem medos. Com Fé na justiça social e no respeito pelos direitos e deveres de cada cidadão.
Há fome de Homens e Mulheres, sinceros, autênticos, sem fingimentos nem indiferenças!
Quem de nós todos, reserva para si mesmo o que falta a tantos outros?
sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010
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Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarPrimeiro acredita-se, até prova em contrário...doutra forma não vale a pena andarmos por aqui...
ResponderEliminarFingimento?
Não sei qual seria o fim do dinheiro (pouco) que ela conseguiria angariar...mas surge-me uma dúvida....
Quantas das pessoas que estavam presentes nesse espaço, teriam coragem para fazer o que ela fez?
Fingimento?
Mesmo precisando, quantas pessoas baixariam a cara e diriam "não me pode ajudar?"?
Fingimento? Poderia ser ortodoxa, muçulmana...ou o que quer que fosse...a vergonha tem religião?
Fingimento?
De facto ela poderia ter ido à Câmara...mas lá...certamente que a pessoa que iria fingir que a atendia não mataria a fome desta mulher com fé!