A meio da tarde, a Mãe preparava o alguidar de barro e os ingredientes necessários. Amornava uma porção de água na cafeteira, arregaçava as mangas e começava, então, a Magia do nosso Natal.
Na pequena montanha formada pela alva farinha, abria espaço para adicionar a raspa e o sumo das laranjas, os ovos, o fermento... e, à medida que a água morna tornava a mistura mais elástica, o meu fascínio aumentava na mesma proporção em que aumentava, também, o vigor com que a Mãe batia a massa.
Depois, era deixá-la a descansar coberta com pano forte, que envolvia todo o alguidar. Era preciso proporcionar à massa um ambiente aquecido, para que levedasse, para que crescesse. Crescia também em mim, a expectativa!...
Já noite fechada, o aroma da fritura envolvia toda a casa. A mãe ia colocando cada filhós num prato coberto com papel pardo para que a absorção do azeite fosse maior. Por entre uma colherada de massa no óleo fervente da frigideira ou depois de retirada uma dose das loiras "filhoses", já fritas, era a vez de as envolver em açúcar misturado com canela. E como eu gostava de colaborar nesse envolvimento. Como sabia bem aquele perfume tão apetitoso, tão desejado de ser saboreado!
- Não se podem provar quentes. Dizia a Mãe.
A tarefa terminava quando na travessa surgia uma montanha deliciosamente loira, a fazer crescer água na boca.
A Mãe lavava tudo e, já depois do jantar provávamos, enfim, as fofas e doces filhós.
Chegava a hora de deitar e, nova curiosidade se impunha, na luta contra o sono que, teimosamente ia chegando, indiferente à especial magia de cada Noite de Natal.
- Pronto! A travessa fica em cima da mesa. Se esta noite o Menino Jesus descer pela chaminé e deixar alguma prenda nos sapatinhos, pode provar uma filhós, dizia a Mãe.
Então, era procurar debaixo da cama, o sapato que parecesse mais adequado para receber as surpresas e, com jeitinho, colocá-lo no canto da chaminé, já lavada, sem rasto da trabalheira que as "filhoses" davam a fazer.
Mal dormidos, ainda madrugada, saltávamos da cama na busca do que nos calhara. Que prazer era pegar um brinquedo colorido ou um singelo embrulhinho e correr com eles até à cama dos pais, risonhos, cúmplices da nossa ingenuidade. Recordo. Eram bombons redondinhos ou um pequeno chapelinho de chocolate da "Regina", (embrulhados em "pratinhas" coloridas que depois se alisavam, com a unha, cautelosamente, para servirem nas brincadeiras futuras), rebuçados em dose um pouco mais avantajada que em qualquer outra época do ano, às vezes uma boneca de cartão, um carrinho de lata colorida para o mano e, numa vez... um "tarapo" vermelho que a Mãe adivinhou ter ficado, ignorado, no sapato.
Preciosa prenda, presente sublime, tricotado malha a malha pelas mãos de Minha Mãe!
Tricotando em nós os seus Valores, a Mãe lembráva-nos, então, como éramos privilegiados porque havia, de certeza, crianças no mundo que não tinham recebido nada.
Eu pensava que não devia ser bem assim mas...
...Ainda agora, sei de meninos sem sapatos, sem presentes, sem Natal, ignorados por cada um de nós, como se fossem "tarapo".
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