“Poesia”
Dia da Poesia é hoje a novidade da gente!
Dia de hipocrisia, na verdade, já que a bomba inteligente
Com sucesso, diz quem manda,
Varre as portas de Bagdad,
Num louco acesso pelo cheiro do petróleo,
Que tresanda!
E só cai e só vem,
Com perícia genial e de “modo generoso”,
Onde convém ao lucro do poderoso.
Dia da Poesia poderia ser
Se,
O menino iraquiano, como o anglo-americano,
Pudessem, hoje, adormecer em Paz,
Sem papão no telhado,
Sem bombas por todo o lado!
Mas não!
Reina agora a confusão
Trespassando a nossa alma
Quando, antes de dormir, bem à hora do jantar,
A caixa da televisão
Nos mostra a guerra a surgir,
Na maior calma, a passar,
Misturada com novela,
Qual festança de primor,
Qual orgia de horror,
Com rigor na precisão
Que os homens puseram nela.
E o “canal da liderança”
Lá se afirma, na esperança
De convencer uma amorfa clientela
Que vê a guerra a nascer,
Sem sentir a dor que há nela!
2003
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Para Sempre
Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
— mistério profundo —
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.
Carlos Drummond de Andrade, in 'Lição de Coisas'
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