sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Fome, Fé e Fingimento

Havia uma amena cavaqueira por todo o espaço. Aquela mulher entrou, dirigiu-se ao balcão, normalmente e, só reparei nela quando ouvi a funcionária dizer:
- Hoje, não tenho nada.
De seguida, afirmou:
- Olhe, tenho isto.
E deu-lhe um pacote que parecia conter duas fatias de pão, tostado.
Então, aquela mulher seguiu até à mesa do topo, repleta de outras mulheres. Era alta, de cabelo grisalho, vestida com sobriedade q.b. Aparentemente, nada a distinguiria de qualquer pessoa inserida na sociedade em que vivemos. Porém, depressa a minha atenção se fixou nela. Apercebi-me da demora junto daquela mesa, assim de pé, olhando o grupo. Não percebi se falara. Deu para entender a reacção pseudo-indiferente, incómoda, que estava a provocar.
Desvaneceram-se-me as dúvidas quando alguém , com maior à vontade, indicou:
- Vá à Câmara. Eles, lá, atendem.
A mulher afastou-se até à mesa do canto. Ouvi de lá:
-Tenha paciência. Também tenho o marido doente.
Chegou, então, a minha vez. Eu estava só naquela mesa, prestes a levantar-me, já servida e de conta paga. Olhei, quando se aproximou de mim. Notei que deveria ser um pouco mais velha do que eu ou talvez não e ela falou-me.
Não entendi, de imediato, o que dissera mas, esclarecida pelo que tinha observado, perguntei.
- Quer um copo de leite?
Num português só entendido pela repetição da pergunta e da mesma resposta, percebi:
-Hoje, é sexta-feira. Não come carne, leite, ovos.
Fez-se luz e dúvida no meu espírito. Será que esta cristã ou muçulmana sobrepõe a sua fé à sua fome?
Apresentei-lhe uma alternativa porque acreditei que tivesse, mesmo, fome.
-Quer um pão com manteiga?
-Sim.
Levantei-me, paguei o pão e entreguei-lho metido num saco de papel, pela funcionária. Ela não o comeu ali. Enfiou as duas dádivas no saco de mão que trazia.
Eu saí incomodada. Ela ainda ficou, de pé. Afinal, eu fizera o mesmo que todo aquele naco de sociedade. Não enviei à Câmara, não quis saber/resolver as causas que levam alguém até ao gesto de estender a mão, pedindo algo. Apenas, só, minimizei "caritativamente"o momento. Ainda agora, aquela mulher se impõe na minha consciência.
Já é tarde. Faço uma pausa no registo deste facto vivido, logo de manhã. Releio o que escrevi e...entretanto, devo ter "passado pelas brasas".
Ao despertar, de novo, os meus olhos pesam. Sinto como se nos meus ouvidos soasse o gargalhar sarcástico e irónico do "mafarrico Morfeu", desejoso duma noite bem dormida, sem pesos na consciência nem inquietações:
-Não sejas Toninha! Aquilo foi tudo fingimento. Forma fácil de obter dinheiro.
Fome. Fé. Fingimento.
Sim. Há fome duma Nova Humanidade, sem desconfianças, sem xenofobia, sem medos. Com Fé na justiça social e no respeito pelos direitos e deveres de cada cidadão.
Há fome de Homens e Mulheres, sinceros, autênticos, sem fingimentos nem indiferenças!
Quem de nós todos, reserva para si mesmo o que falta a tantos outros?

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Estrondo!

Acabei de ouvir um estrondo que fez soluçar os vidros da janela.
Deve ser o desmantelar das bombas ETA.
Tristes das gentes que só conseguem dialogar destes modos!
Paz e Amor, precisa-se.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Gato que brincas na rua
Como se fosse na cama,
invejo a sorte que é tua
porque nem sorte se chama.

Bom servo das leis fatais
Que regem pedras e gentes,
Que tens instintos gerais
E sentes só o que sentes.

És feliz porque és assim,
Todo o nada que és é teu.
Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheço-me e não sou eu.
Fernando Pessoa
Janeiro de 1931

Poemas são como gatos

Poemas são como os gatos
Se aninham,
Roçam suas pernas,
Ronronam,
Altivos,
Aquecem o coração,
Embalam os sonhos,
Acalentam a alma.
Poemas são como os gatos.
Tomam de assalto
Num salto,
Sua vida.
(Há quem não goste de gatos
Nem de poemas. Que pena)
S.C.O.
in, Sergio´s Multiply Site