segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Prova dos nove ou prova real

A rotina matinal fez-se cumprir: comprar o pão e beber um cafezinho. De regresso ao carro, o desviar no passeio, ocupado por duas supostas mamãs. Impossível deixar de ouvir, enquanto andava.
- "É a história dos centros escolares. Uma porcaria. É só um mau serviço."
Talvez motivada por um já retardado defeito de profissão, como num turbilhão de toques de campainhas, mil e uma vivências de outrora vieram-me à lembrança. Entre elas, a polémica ideia, nesse tempo ainda em gestação, da criação dos centros escolares educativos. Sem pretender aprofundar o tema, creio que os aspectos positivos e negativos que surgiam já nessa época, continuam actuais.
É bom que a oportunidade de acesso a espaços físicos adequados, funcionais, bem equipados e atraentes, contemple todos os alunos, de todas as franjas da sociedade.
Como reserva pessoal, mantenho a problemática do desenraizamento de crianças de pouca idade e o esforço diário que se lhes exige nas deslocações massificadas e desenquadradas do acompanhamento e apoio dos familiares. Acrescentaria ainda, as inúmeras contradições dessa política de favorecimento do sucesso educativo perante as dificuldades sociais que se resumem em despedimentos, cortes e recessão.
Por fim, solidária com a saga dos professores, que me dispenso de analisar, apetece-me dedicar-lhes um trecho de um poema, cujo autor desconheço.

"Ser professor é ser artista,
malabarista,
pintor, escultor, doutor,
musicólogo, psicólogo...
É ser mãe, pai, irmã e avó,
é ser palhaço, estilhaço.
É ser acção.
É ser bússola, é ser farol...
É ser luz, é ser sol.
Incompreendido?...Muito.
Defendido?... Nunca.
O seu filho passou?
Claro, é um génio.
Não passou?
O professor não ensinou.
Ser professor
É um vício ou vocação?
É outra coisa...
É ter nas mãos o mundo de Amanhã".
....

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Lembrando o Poeta

Amigo

Mal nos conhecemos
Inaugurámos a palavra «amigo».

«Amigo» é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo,
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece,
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!

«Amigo» (recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
«Amigo» é o contrário de inimigo!

«Amigo» é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado,
É a verdade partilhada, praticada.

«Amigo» é a solidão derrotada!

«Amigo» é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
«Amigo» vai ser, é já uma grande festa!

Alexandre O'Neill, in 'No Reino da Dinamarca'

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Como toiro, em plena arena

Um dia, fizeram-me acreditar nos Homens, numa Europa Unida e prometeram-me que haveria de me sentir europeia de pleno direito, com acesso a um mundo novo, de partilha e de solidariedade fraternas.
Nos tempos que correm, ando com cara de país periférico.
De manhã à noite, ouço avisos de poupança, alertas de crise e recessão a fazer lembrar "outroras", que julgava adormecidos, para sempre.
Há pânico nas bolsas, dizem.
Ser-se velho é ser capaz de não se deixar espantar com aumentos no gás ou na luz, com perdão às dívidas de milhões, com penalização a quem vai pagando o sonho de ter a sua casa, nem sequer com a implementação de "pseudo-modernos" moldes de escravatura humana. Porém, esta que ouvi de haver hesitações em subir o IVA do golfe e das touradas, quando tudo o que é essencial e básico sofre aumentos impiedosos, parece-me intolerável e mexe com a minha costela a favor dos toiros.
Sinto a fúria deles ao sair do curro, para gáudio da esperteza dos parolos.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Até vais de carrinho

Fomos inseparáveis durante mais de uma dezena e meia de anos. Vivemos a mesma ânsia de liberdade. Para onde eu queria ir, lá estava ele disponível e, mesmo quando se armava em teimoso ou "sr do seu nariz", suportava as minhas resmunguices submisso, como ninguém.
Um dia, comecei a olhá-lo de lado e reparei que cada vez mais, se parecia comigo. Andava descolorido, fora de moda, barulhento, desengonçado. Direi até, envelhecido.
Começaram, aí, as nossas querelas e desamores.
-Abre a janela! Fecha a janela!
-Não abro! Não fecho!
Neste vaivém de conversas, ele perdeu a cartada.
Deixei-me seduzir por outro mais belo e actual, com ar vistoso e perfumado!...
Então, cuidadosa no cumprimento dos meus deveres fiscais procurei, no virtual, informações sobre o imposto de circulação a pagar pelo meu novo brinquedo.
Como riso de mafarrico, ressalta-me o espectro do meu velho calhambeque. Havia um calote de selo esquecido, pendente há mais de 3 anos!
Duvidei da minha capacidade de literacia. Pedi ajuda na interpretação que fizera. Não havia engano. Eu tinha falhado. Hoje, na repartição, ouço a sentença.
Apesar da separação efectiva, há que pagar e... com coima.
A conter "os azeites", espero que termine a quebra do sistema informático. Recordo-me, entretanto, da caçada do radar que ainda percorre os "trâmites legais" mas não tardará a escaldar-me os bolsos, também.
Já a manhã ia bem alta quando as contas apareceram, simples de entender.
Coima, selo antigo, novo imposto... Lá se foi um corte de mais de centena e meia de "aéreos". E, de novo aquele riso escarninho a soar-me, agora, na consciência.
-Queres carrinho novo? Toma. Paga. Ah!...e, para não esqueceres o velhinho calhambeque, trata de guardar o recibo do calote, durante os próximos 5 anos!!!


domingo, 7 de agosto de 2011

Um poema

UM POEMA

Não tenhas medo, ouve:
É um poema
Um misto de oração e de feitiço...
Sem qualquer compromisso,
Ouve-o atentamente,
De coração lavado.
Poderás decorá-lo
E rezá-lo
Ao deitar
Ao levantar,
Ou nas restantes horas de tristeza.
Na segura certeza
De que mal não te faz.
E pode acontecer que te dê paz...

Miguel Torga, Diário XIII

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

quarta-feira, 3 de agosto de 2011