quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Feliz Ano Novo

Entardece o dia, entardece o mês, entardece o ano.
Entardeço também eu, no desengano que a vida traz...
Nesta Madrugada,
Há risos e vivas, há choro e há luz.
Há não e há sim, há luta e há cruz,
Há guerra e há Paz,
Numa labuta, em nós, em ti e em mim.
Há sons e há tons de grande prazer pelo Reviver,
Há povos, há povo, em Esperança, saudando,
Feliz Ano Novo!
Bem vindo 2011!
Traz contigo um Mundo Melhor,
Partilhado por todos,
Em Igualdade e Amor.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Lembranças de Natal

A meio da tarde, a Mãe preparava o alguidar de barro e os ingredientes necessários. Amornava uma porção de água na cafeteira, arregaçava as mangas e começava, então, a Magia do nosso Natal.
Na pequena montanha formada pela alva farinha, abria espaço para adicionar a raspa e o sumo das laranjas, os ovos, o fermento... e, à medida que a água morna tornava a mistura mais elástica, o meu fascínio aumentava na mesma proporção em que aumentava, também, o vigor com que a Mãe batia a massa.
Depois, era deixá-la a descansar coberta com pano forte, que envolvia todo o alguidar. Era preciso proporcionar à massa um ambiente aquecido, para que levedasse, para que crescesse. Crescia também em mim, a expectativa!...
Já noite fechada, o aroma da fritura envolvia toda a casa. A mãe ia colocando cada filhós num prato coberto com papel pardo para que a absorção do azeite fosse maior. Por entre uma colherada de massa no óleo fervente da frigideira ou depois de retirada uma dose das loiras "filhoses", já fritas, era a vez de as envolver em açúcar misturado com canela. E como eu gostava de colaborar nesse envolvimento. Como sabia bem aquele perfume tão apetitoso, tão desejado de ser saboreado!
- Não se podem provar quentes. Dizia a Mãe.
A tarefa terminava quando na travessa surgia uma montanha deliciosamente loira, a fazer crescer água na boca.
A Mãe lavava tudo e, já depois do jantar provávamos, enfim, as fofas e doces filhós.
Chegava a hora de deitar e, nova curiosidade se impunha, na luta contra o sono que, teimosamente ia chegando, indiferente à especial magia de cada Noite de Natal.
- Pronto! A travessa fica em cima da mesa. Se esta noite o Menino Jesus descer pela chaminé e deixar alguma prenda nos sapatinhos, pode provar uma filhós, dizia a Mãe.
Então, era procurar debaixo da cama, o sapato que parecesse mais adequado para receber as surpresas e, com jeitinho, colocá-lo no canto da chaminé, já lavada, sem rasto da trabalheira que as "filhoses" davam a fazer.
Mal dormidos, ainda madrugada, saltávamos da cama na busca do que nos calhara. Que prazer era pegar um brinquedo colorido ou um singelo embrulhinho e correr com eles até à cama dos pais, risonhos, cúmplices da nossa ingenuidade. Recordo. Eram bombons redondinhos ou um pequeno chapelinho de chocolate da "Regina", (embrulhados em "pratinhas" coloridas que depois se alisavam, com a unha, cautelosamente, para servirem nas brincadeiras futuras), rebuçados em dose um pouco mais avantajada que em qualquer outra época do ano, às vezes uma boneca de cartão, um carrinho de lata colorida para o mano e, numa vez... um "tarapo" vermelho que a Mãe adivinhou ter ficado, ignorado, no sapato.
Preciosa prenda, presente sublime, tricotado malha a malha pelas mãos de Minha Mãe!
Tricotando em nós os seus Valores, a Mãe lembráva-nos, então, como éramos privilegiados porque havia, de certeza, crianças no mundo que não tinham recebido nada.
Eu pensava que não devia ser bem assim mas...
...Ainda agora, sei de meninos sem sapatos, sem presentes, sem Natal, ignorados por cada um de nós, como se fossem "tarapo".

sábado, 18 de dezembro de 2010

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Quando falta a Luz

A neura e a sensação de isolamento que a longa falha de energia eléctrica me proporcionou, ontem de tarde e noite dentro, contrastaram com o alívio, a serenidade e bem-estar que senti ao ver repostas as funcionalidades básicas que me foram inacessíveis, durante várias horas seguidas.
Então, num assumo de humilde reflexão, menos brava, já, vieram-me à memória outros tempos quando essas básicas funcionalidades que tanto reclamei, agora, eram executadas com a maior normalidade, à custa de tantos sacrifícios pessoais.
E, se se ousava pensar no despontar de uma nova necessidade, como era ponderada cada decisão, sujeita que estava ao recurso que o magro orçamento familiar iria possibilitando.
E, como era lenta a chegada de cada pequena comodidade sonhada por tanto tempo!
Recordo, como se fora hoje quando, ainda criança, chegou a electricidade à nossa casa. Lembro-me, até, da figura do electricista andando por lá a estender os fios, colocando interruptores, pendurando os pequenos abajours, cada um deles recheado com a respectiva lâmpada. E, quando a obra terminou, recordo... a sensação única que foi viver, já noite, a magia do 1º clique na cozinha e sentir aquela explosão de luz intensa, tão diferente do mortiço candeeiro a petróleo. Que alegria! Foi como se aquele pequeno espaço tivesse triplicado a sua área e trouxesse à miúda que eu era, aquilo que , hoje, eu descreveria como um mar de Luz!
Recordo... a chegada lá a casa, da 1ª telefonia. Por entre relatos de futebol nas tardes de domingo, teatro infantil, radiofónico, da Madalena Patacho, notícias, música e canções, tantas horas de prazer, sonho e criatividade me proporcionou essa janela aberta ao mundo!
Recordo... a substituição do ferro de engomar, com brasas, pelo 1º ferro eléctrico "Rowenta" comprado a prestações semanais ao vendedor ambulante que ganhava a vida calcorreando as aldeias com o "chamariz da modernidade", facilitadora no desempenho das tarefas.
Recordo... lembro, tantas limitações e esforço por coisas que agora são "nadas" e fazem parte do trivial mais comum de todos nós. Foram essas vivências que fizeram de mim aquilo que sou. Não recordo com saudade. Lembro, apenas, tanto obscurantismo, tanto isolamento, tantos sacrifícios como aqueles que já vivi e conheci noutros iguais, para que nunca mais falhe a Luz!
Quero Luz, na minha casa.
Quero Luz, na minha terra.
Quero Luz, no meu País.
E... que ninguém me diga que sou impertinente.
Quero que haja o direito à Luz, já, para mim e para todos.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Aurora boreal




Tenho quarenta janelas
nas paredes do meu quarto.
Sem vidros nem bambinelas
posso ver através delas
o mundo em que me reparto.
Por uma entra a luz do Sol,
por outra a luz do luar,
por outra a luz das estrelas
que andam no céu a rolar.
Por esta entra a Via Láctea
como um vapor de algodão,
por aquela a luz dos homens,
pela outra a escuridão.
Pela maior entra o espanto,
pela menor a certeza,
pela da frente a beleza
que inunda de canto a canto.
Pela quadrada entra a esperança
de quatro lados iguais,
quatro arestas, quatro vértices,
quatro pontos cardeais.
Pela redonda entra o sonho,
que as vigias são redondas,
e o sonho afaga e embala
à semelhança das ondas.
Por além entra a tristeza,
por aquela entra a saudade,
e o desejo, e a humildade,
e o silêncio, e a surpresa,
e o amor dos homens, e o tédio,
e o medo, e a melancolia,
e essa fome sem remédio
a que se chama poesia,
e a inocência, e a bondade,
e a dor própria, e a dor alheia,
e a paixão que se incendeia,
e a viuvez, e a piedade,
e o grande pássaro branco,
e o grande pássaro negro
que se olham obliquamente,
arrepiados de medo,
todos os risos e choros,
todas as fomes e sedes,
tudo alonga a sua sombra
nas minhas quatro paredes.

Oh janelas do meu quarto,
quem vos pudesse rasgar!
Com tanta janela aberta
falta-me a luz e o ar.



António Gedeão
Obra Poética
Edições João Sá da Costa
2001